Hoje os processos das grandes cervejarias industriais são altamente sofisticados, mas, ainda que muitas etapas sejam automatizadas, os insumos sejam geneticamente modificados e maioria dos dados sejam monitorados por aparelhos digitais, as reações, a lógica da produção e qualidade ainda estão subordinados à uma mesma lógica comum: a sanitização na cerveja artesanal assim como na industrial.

Produzir boa cerveja não é sobre ter parafernálias da NASA nos fundos de sua casa. É sobre paixão, paciência e um tino pra abstrair um pouco de química.

Calcular a proporção de malte para a quantidade de água, medir os IBUs de amargor na lupulagem, observar a consistência do mosto, enfim, cada pequeno processo na produção de sua cerveja é um processo químico.

Basicamente se cozinha o malte até conseguir açúcar que irá reagir com outras ervas e grãos num processo lento e gradual. Cada diferença de proporção, combinações ou situações de fermentação ou maturação vão ser totalmente determinantes para a cerveja que chegará até sua caneca.

A maioria desses processos é voluntário e esperado, mas algumas coisas que podem alterar o sabor e qualidade de nossas cervejas podem acontecer por falta de informação ou descuido, e esses resultados podem não ser muito desejáveis, comprometendo alguns litros de trabalho árduo.

O que é a sanitização na Cerveja Artesanal?

Bactérias e vírus são formas microscópicas de vida. Especialmente as bactérias estão em basicamente tudo. Nosso corpo abriga uma colônia de dezenas de milhões de bactérias, e, apesar de só lembrarmos delas quando pensamos em doenças, elas são formas de vida fundamentais em tudo.

A produção de cervejas também depende das bactérias formadas pela fermentação do mosto, que irão trabalhar nos processos bioquímicos que dão vida à cerveja como conhecemos.

Mas, voltando um pouco ao aspecto nocivo menos positivo das bactérias: já que elas reagem com outras formas de vida e alteram seu meio, nem sempre são realmente desejáveis nem fazem bem ao ambiente em que habitam, e esse seria como no caso clássico das doenças, que preferimos evitar sempre.

Quando bactérias estranhas e indesejáveis invadem um meio onde as outras bactérias fazem processos sensíveis de uma forma muito específica entre elas, essas invasoras podem acabar causando estragos e consumindo os recursos daquelas bactérias que fariam os processos que desejávamos.

É nesse ponto que as medidas contra bactérias e vírus entram, e podemos dizer que são, no mínimo, três:

  • Limpeza:

O processo mais geral, no qual removemos situações e agentes favoráveis para a instalação e proliferação de bactérias. Como quando tomamos banho, limpamos a casa e lavamos a louça. Uma louça suja, com restos de comida que reagem entre si alimentadas pelas moléculas de oxigênio acabam criando fungos e bactérias que podem ser nocivas a quem consumi-las.

  • Sanitização:

A limpeza bem-feita diminui bastante as chances da instalação de colônias de bactérias, mas acontece que, mesmo com uma boa limpeza, certamente muitas bactérias já se instalaram e podem, de imediato, começar a se reproduzir, o que continua tornando seus aspectos indesejados uma constante.

É por isso que sanitizam-se os instrumentos ao produzir uma cerveja, por exemplo: através do uso de álcool (especialmente álcool 70) e outros compostos químicos, você reduz o nível de bactérias à um nível aceitável e operável para a capacidade de consumo sem riscos à saúde e qualidade da mistura.

  • Esterilização:

Na esterilização sim as bactérias serão mortas de fato.

Através das altas temperaturas e/ou processos químicos administrados nos equipamentos, todas as formas de vida contidas nas suas superfícies serão mortas e removidas.

Por que é importante sanitizar?

Considerando a explicação prévia sobre as bactérias, você já deve ter deduzido algumas razões óbvias pelas quais todos os três processos citados são importantes em diversas coisas.

Uma história sobre a origem do uso de lúpulos e outros reagentes no manejo e fermentação da cerveja é a de que o bastão usado para mexer o mosto eram heranças passadas nas famílias que tinham tradição cervejeira de pai para filho.

A manutenção irregular (especialmente porque não tinham as noções fundamentais de química que temos hoje) desses bastões certamente era um prato cheio para diversas bactérias.

Deduzindo que esses bastões também eram usados para trabalhar com outros cereais e vegetais, e ficavam com resquícios acumulados que não saiam com uma simples lavagem, de fato, cada cerveja ficaria com um sabor muito peculiar e individual ao ter contato com aquele determinado grupo de bactérias que pertenciam à produção de cada família.

Com a observação desse fenômeno associados ao avanço dos conceitos de química, deduziu-se quais seriam os bons (e maus) reagentes para outros processos da produção da cerveja, especialmente na fermentação.

É um tanto desagradável e inconveniente imaginar como tomavam-se cervejas nessas situações, mas, ao mesmo tempo que foram aprendendo reações interessantes e oportunas, também aprenderam aquelas que podem ser nocivas, não só para a qualidade da cerveja como para a própria saúde humana.

Como hoje, graças aos nossos cervejeiros primordiais, sabemos das reações adequadas para nossa produção, não precisamos mais correr riscos na tentativa e erro, sabemos calcular em nossos experimentos o que será bom e o que será nocivo para que possamos inventar com segurança.

Além de manter níveis seguros de operação e consumo, a sanitização remove outras bactérias intrusas que iriam consumir a energia dos açúcares do mosto, competindo com as que você adicionou deliberadamente. Essas bactérias, além de nocivas, podem causar efeitos desagradáveis e diminuir o poder dos reagentes que você escolheu para a produção de sua cerveja.

Imagine que, como todo seu processo será relativamente orgânico, sem o uso de máquinas e compostos químicos, como no caso das grandes indústrias, você precisará de ainda mais rigor e pureza contra muitas bactérias.

Quando Sanitizar?

Definitivamente você deve manter todos os utensílios muito bem limpos, com água e detergente, afinal, é um processo simples que requer apenas um pouco de água corrente que custa em torno de quase nada. Porém, nem sempre será necessário que você fique fazendo a sanitização dos utensílios, especialmente porque esse processo já é mais dispendioso e nem sempre é necessário.

Pense que, a menos que você repouse o misturador em algum lugar não muito recomendado ou tenha usado suas panelas e barris para outros fins, não há uma chance grande de contaminação, ou ao menos tolerável.

O importante é que você sempre sanitize ao manter contato dos utensílios com outros ambientes e situações alheias à produção de cerveja, como outras comidas, especialmente na era de ultra-processados, há uma infinidade de bactérias das quais não saberíamos antecipar as reações com o mosto.

Sempre sanitize entre uma produção e outra, e se usar para algum outro fim seus utensílios ou em misturas muito diferentes e particulares, ou até mesmo após muito tempo guardado de forma não adequado, você pode considerar uma esterilização.

Preservar a pureza da fórmula é um dos, senão o maior diferencial das cervejas artesanais em relação à todo o mercado massivo das cervejas industriais.

Além disso, há determinações sanitárias estritas para também manter a higiene de sua produção. E esses é outro fator vital para se considerar: opere em um ambiente muito limpo, seguro contra a proliferação de agentes bacterianos e virais, na verdade, até o ato de conversarmos enquanto mexemos o mosto pode causar, numa escala mínima, algum tipo de contaminação.

Toda medida de precaução é válida, não é à toa que enfermeiros usem máscara, luvas, roupas esterilizadas e afins, ou cozinheiros usem máscara e touca.

Lembre-se disso quando achar medidas protetivas básicas algo exagerado ou desnecessário. O melhor é sempre primar pela qualidade do processo para ter a pureza da bebida!

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